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A Queima do Judas em Itiúba: Tradição, Espetáculo e Gozação

TRADIÇÕES
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

A Queima do Judas em Itiúba: Tradição, Espetáculo e Gozação

 

Durante as celebrações da Semana Santa na cidade de Itiúba, um dos eventos mais aguardados era a tradicional "queima do Judas", realizada na noite do sábado de aleluia. O momento era marcado por expectativa e animação, reunindo moradores para assistir ao espetáculo pirotécnico que, ano após ano, incendiava não apenas o boneco, mas também risadas e comentários irreverentes.

O Judas era cuidadosamente confeccionado pelo mestre fogueteiro da região, o Sr. Horácio Pinto, cuja destreza garantia um boneco de pano primorosamente montado, recheado com palha e algodão para que o fogo se alastrasse com rapidez. Dentro dele, estrategicamente distribuídas, estavam bombas de diversos calibres, prontas para explodirem e elevarem ainda mais o impacto da encenação. No momento da queima, o Judas girava em seu pedestal, soltando fumaça e chamas, proporcionando uma cena que encantava e assustava ao mesmo tempo.

Mas a queima do boneco era apenas um dos momentos memoráveis da noite. Antes de ser consumido pelo fogo, havia a esperada leitura do testamento do Judas, momento carregado de ironia e humor. Coube por anos ao Artur Teixeira, figura animada e destemida, subir em um palanque improvisado e, com voz potente e quase aos berros, anunciar os bens que o "traidor de Cristo" deixaria para os habitantes da cidade.

As doações eram absurdas, exageradas e escolhidas a dedo para provocar risadas e alfinetadas. Os presentes eram personalizados para cada destinatário, sempre levando em conta sua ocupação ou personalidade:

  • Para os pescadores, redes furadas que jamais prenderiam um peixe;

  • Para os políticos, paletós sem mangas, numa crítica divertida à falta de ação concreta;

  • Para os alfaiates, agulhas enferrujadas e sem ponta, inúteis para qualquer costura;

  • Para os professores, canetas sem tinta, tornando impossível qualquer anotação;

  • Para o sacristão, um sino sem badalo, incapaz de chamar os fiéis;

  • Para os vaqueiros, cavalos sem pernas, deixando-os a pé na lida diária.

Entre os agraciados estava o Sr. Jove, meu pai, que por ser apaixonado por pescaria e caça, recebia todo ano bens sem propósito, como uma tarrafa completamente furada e uma espingarda sem cano. Já o Sr. Belarmino Pinto, um dos políticos mais influentes da cidade, figurava sempre no topo da lista, sendo presenteado com um velho paletó sem mangas, em um claro toque de sátira à atuação dos políticos locais.

Assim, a tradição se repetia. O Judas ardia em chamas, explodia com estrondo, mas antes de partir, garantia sua última grande gozação.

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