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O Motor da Luz

ENERGIA ELÉTRICA
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

O Motor da Luz

 

A energia elétrica da cidade era uma verdadeira saga, marcada pela simplicidade da tecnologia da época e pelas histórias que giravam em torno dela. O fornecimento vinha de um motor-gerador Caterpillar movido a óleo diesel, cuja operação seguia rígidos critérios de economia: funcionava apenas das 18h às 22h. Esse curto período de energia era aguardado com grande ansiedade pelos poucos habitantes que possuíam rádios, ávidos por sintonizar a Rádio Sociedade da Bahia, em Ondas Médias, ou a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em Ondas Curtas. Esses momentos, embora limitados, traziam vida e conexão ao cotidiano da comunidade.

Quando o Caterpillar quebrava, a cidade mergulhava em um período de espera quase interminável. O mecânico responsável pela manutenção do motor, o Sr. Antônio Mota, assumia a tarefa de identificar as peças defeituosas. Muitas vezes, essas peças precisavam ser encomendadas a fornecedores em São Paulo, o que, na época, exigia paciência devido aos processos de transporte e comunicação. Não era raro que os moradores esperassem dois ou até três meses pela chegada dos componentes necessários, apenas para depois lidar com a característica calma do Sr. António Mota. Entre brincadeiras e críticas, algumas pessoas, chateadas com a demora, diziam que ele sentia prazer em retardar o conserto do motor. Havia até quem sugerisse que existia uma combinação entre ele e o Prefeito para retardar o funcionamento do motor, como forma de minimizar os prejuízos que a Prefeitura enfrentava com o custo elevado do fornecimento de energia movida a óleo diesel. Outros moradores, no entanto, acreditavam que o Sr. Antônio Mota só demonstrava agilidade quando seu sogro estava na cidade. Diziam que, ao passar dias sem energia elétrica em sua residência, o sogro visitava a "usina" e dizia com uma certa  autoridade: "Hoje, às 18h, eu vou sentar na varanda da minha casa e quero ler o jornal com luz elétrica." Misteriosamente, nesses dias, o conserto avançava rapidamente, e o motor Caterpillar voltava a funcionar.

Essa realidade, que fazia parte do dia a dia dos moradores, revela muito mais do que o esforço para manter uma cidade iluminada. É também um retrato de um tempo em que a comunidade se organizava em torno de desafios compartilhados, enfrentando dificuldades com uma mistura de humor, criatividade e resiliência. As esperas, os rumores e até os momentos de frustração tornaram-se histórias que ainda ecoam na memória dos que viveram aquela época.

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