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Toda Sexta-feira Santa, a cidade se reunia em devoção para uma tradição solene: a procissão. Logo ao amanhecer, os fiéis se concentravam no Largo da Igreja, prontos para o início do ato religioso que começava pontualmente às 9 horas. Naquele dia, o toque dos sinos era rigorosamente proibido. Em seu lugar, o sacristão convocava os participantes utilizando uma matraca, um instrumento de madeira que emitia um som seco e distinto, reverberando a longas distâncias.

A procissão caminhava pelas ruas da cidade em um ritmo lento e reverente. Os fiéis seguiam organizados em duas fileiras, entre as quais desfilavam os andores adornados, carregando imagens sagradas. À frente de todos, uma figura se destacava erguendo uma alta, mas leve, cruz de madeira, símbolo de fé e sacrifício. Logo atrás, o padre conduzia a caminhada, seguido pelas mulheres do coro da igreja, cujas vozes ressoavam cânticos e orações que preenchiam o ar com um clima de profunda espiritualidade.

O percurso incluía algumas paradas estratégicas em casas de moradores, onde orações e leituras de mensagens eram realizadas. Um dos momentos mais marcantes era a breve encenação do sofrimento de Maria, mãe de Jesus. Todos os anos, essa representação era protagonizada pela jovem Onélia Campos, que emocionava os presentes ao mostrar uma toalha com a gravura de Jesus coroado de espinhos enquanto entoava uma música sacra de rara beleza. Após cerca de duas horas, a procissão retornava ao Largo da Igreja, encerrando o ato religioso com o mesmo respeito e emoção com que começara.

Embora fosse proibido vender bebidas alcoólicas nesse dia sagrado, havia sempre quem desafiasse a regra. Alguns donos de bares abriam discretamente pequenas portinholas para atender os amantes de vinho. Certa vez, movidos pela curiosidade — ou pela ousadia — eu e o Egui nos rendemos a essa prática e exageramos no consumo. Quando saímos, eu decidi pedalar minha bicicleta com Egui acomodado na garupa.

Tudo parecia sob controle até que, ao nos aproximarmos dos jardins da Avenida Getúlio Vargas, a procissão surgiu inesperadamente em nosso caminho. Demonstrando sensatez, Egui sugeriu: — Fernando, dê meia-volta. No estado em que estamos, melhor evitar passar perto da procissão para não sermos censurados pelos religiosos.

Concordei, mas, ao tentar retornar, nos deparamos com o inevitável: a bicicleta derrapou, e caímos bem próximos à procissão. Para nosso completo constrangimento, o inconfundível cheiro de vinho pairou no ar, denunciando-nos sem piedade. A memória desse episódio permanece viva, tanto pelo humor da situação quanto pelo contraste entre nossa imprudência juvenil e a seriedade da ocasião.